8. O olhar dos outros

Agora que se começam a definir os primeiros eixos de EXP. (experiência) de Ateia, é tempo de debruçar-me no outro, mais concretamente no seu olhar. Olhar não é só ver, é reconhecer: reconhecer o outro e reconhecer-se no outro. Olhar é um exercício de empatia. Todos precisamos deste olhar e a arte não é excepção. A mensagem precisa de um destinatário e o canal precisa de ser exercitado na relação com o outro. Ninguém nasce pronto para este trabalho, é um exercício sem fim. E quantas vezes o destinatário não precisa também da mensagem e da relação com o emissor… Aprendo tanto com o olhar dos outros sobre o meu trabalho, como com o olhar destes sobre o seu próprio trabalho. Há uns dias encontrei-me com Proclamação da existência de Sara Barros Leitão, um micro-monólogo para actrizes ou actores em isolamento por pandemia, publicado em Abril de 2020.

Preciso de si como uma luz que se deixou acesa. Como testemunho de que existo. Eu só existo como actriz, verdadeiramente, através de si. Só acontece teatro, se alguém estiver a ver. 

Sara Barros Leitão

Tendo este projecto um carácter maioritariamente virtual, pelo menos de momento, levantam-se questões… Quem é o público invisível que observa este processo? De que forma chegou aqui? Porque decide voltar ou não? Que importância tem no desenrolar do projecto? Será esta uma forma de encontro, ainda que silencioso? Há lugar para o diálogo? Privilegia-se profundidade ou imediatez? Na vertente audiovisual, existe uma relação com a câmera ou com aqueles que mais tarde observam?
Acredito que não haja um vazio absoluto, que exista comunicação. Também sinto que há algo que faz com que a comunicação não seja unidirecional, como se lapsos temporais e espaciais se gerassem e pervertessem aquilo que aparenta ser, promovendo o encontro. O agora do momento de escrita ou registo, consciente do agora de quem observa.Posso estimar um número de visitas ao site mas não sei quem, não conheço as suas motivações ou necessidades. Na realidade, não acontece o mesmo tanto em teatros como no espaço público, onde é possível ver os espectadores?
Ao falar com a Inês Simões Pereira percebi o conforto de ser este tipo de espectador virtual não identificado. Eu própria sou uma leitora mais ou menos invisível de alguns textos, blogs e livros, que nem por isso deixam de ser importantes para mim.

Quando se desenvolve um projecto em solitário, o olhar falta. É muito difícil ver de fora estando dentro, escapam coisas e surgem dúvidas. A única opção é confiar no nosso critério. Mas como é que isso se faz? O que o valida? O que valida o trabalho? Ter experiência é suficiente? E se a proposta é desenvolver uma área na qual não se tem muita experiência, é possível confiar no próprio critério? Quem dita as regras do jogo? Porque se escolhe uma determinada palavra ou gesto? O que está por detrás de todas as escolhas? São estas escolhas livres? Antes de escrever, lê-se. Tento preparar-me tanto quanto possível, mas sobra sempre uma ponta de dúvida.

Os familiares são as primeiras pessoas a testemunhar a nossa vida. A forma como o fazem dita em muito a forma como nos passamos a relacionar connosco e com os outros. Dificilmente existimos sozinhos. Nem os objectos existem sozinhos, há sempre algo mais. Como uma pessoa imortalizada numa fotografia não existiria sem o fotógrafo, nem sem o entorno desse momento, seja ao nível da paisagem ou emocional. Tenho tido sorte com os meus testemunhos. De muitos nunca me esquecerei e de outros já não me lembro. Mas ambos deixam algo atrás de si.

Quero que saibas que vou continuar a documentar este processo mesmo sem a certeza de que estejas aí, mas, como qualquer coisa partilhada, a alegria é a dobrar quando sei que me acompanhas nesta viagem. Também quero que saibas que tentarei manter-me honesta a mim e atenta ao mundo.